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Você já se sentiu preso a uma situação em que, por mais que você tentasse, ela sempre se repetia?
Já se sentiu péssimo por cometer novamente os mesmo erros?
Você já chegou a desistir de projetos (relacionamentos, trabalho, estudos, concursos) por chegar um momento em que o ânimo e a vontade simplesmente acabavam?
Essa realidade não é só sua, e o interessante é que, esses comportamentos obedecem a um padrão, eles tem uma razão de ser. E acredite, eles foram criados por você!
O tal do efeito tetris
Para quem não sabe, tetris é aquele joguinho em que caem peças, com um padrão fixo, de cima e você tem que formar linhas horizontais, que somem e liberam espaço. Sua simplicidade é uma das razões de seu sucesso.
Mas, e o que é o efeito tetris?
Trata-se de um fenômeno observado em jogadores assíduos de tetris, os quais começavam a procurar “padrões de encaixe” na vida real. Ao andar pelo supermercado, começavam a ver os espaços das prateleiras e analisar que tipo de peça poderia ser ali encaixada. Sim, e o que isso diz sobre nossa vida?
Cientistas começaram a perceber que esse padrão da mente humana, de utilizar uma forma de agir em uma área da vida em outras áreas dela, ocorre em relação a quase tudo que fazemos. Somos seres que seguem padrões, até como uma forma de economia de energia; afinal, padronizar o caminho a seguir é uma baita economia de pensar para onde ir.
Uma pessoa que, no trabalho, tem que ficar atento aos erros dos projetos para evitar desperdício, pode levar essa forma de agir para o ambiente familiar, e começar a procurar defeitos na forma de agir da família, e uma forma de fazer isso é por meio de críticas.
Note, não é que a pessoa seja ranzinza, apenas repete uma forma de agir do trabalho, e que só lá faz sentido, no ambiente familiar, o que causa atritos.
Um competidor de alto nível, costuma levar a competitividade do esporte para outras área da vida. Michael Jordan era assim, levou a busca por ser o melhor a basicamente todos as áreas da vida. Em razão disso, desenvolveu vício em jogos de azar e uma competitividade tóxica em vários aspectos da vida. “Eu tenho um problema de competitividade” declarou.
Efeito tetris pode ser aliado ou vilão.
A repercussão deste efeito é tamanha em nossa mente que, a depender do padrão adotado, podemos ter uma vida de maior satisfação ou recheada de dificuldades. Os efeitos sobre a nossa felicidade são enormes e muito bem explicados por Shawn Achor no livro “O jeito harvard de ser feliz“, grande defensor da chamada psicologia positiva.
No livro, Schawn Achor dedica um capítulo inteiro ao efeito tetris, e como podemos adotar padrões que podem acabar com a nossa vida. Um caso estudado foi a dos auditores de uma empresa.
Efeito tetris negativo e os auditores
Auditores são profissionais que analisam os registros financeiros de uma organização e garantem que as informações são precisas. Ou seja, seu trabalho é procurar erros em formulários fiscais para garantir que estão corretas. Como passavam muito tempo nesta atividade, ficaram muito bons em achar erros. O problema foi que essa habilidade virou padrão de comportamento, e o pior, passou a ser usado em outras áreas da vida.
Acabavam procurando erros na forma de trabalho dos colegas, só conseguiam ver as notas baixas dos filhos, as batatas que vinham queimadas em restaurantes, os erros do conjuge, etc. Ficavam craques em achar problemas, defeitos ou erros em tudo.
Em resumo, efeito tetris é o condicionamento de nossa mente a uma forma de agir em uma área da vida. E isso pode ser benéfico ou maléfico, a depender do que você transporta para outro setor da vida. O condicionamento é natural, pois somos seres ligados a padrões de comportamentos. Quando levamos uma forma de agir que não traz benefícios para sua vivência, ocorre o chamado efeito tetris negativo. O positivo ocorre quando levamos o que há de melhor em uma área para nossa vida em geral.
Mas como podemos combater o efeito tetris negativo? O filósofo grego Platão explica.
O indivíduo de Platão
Para entendermos a solução, é preciso entender o que é indivíduo para Platão. Indivíduo, para o filósofo grego, é o indivisível, aquele que não se divide. Como assim?
Imagine um círculo, em que no centro está o indivíduo e nas bordas do círculo, as áreas de sua vida: trabalho, lazer, estudo, religiosidade, caridade. Sempre que a pessoa exerce uma dessas atribuições, ele sai momentaneamente do centro para, ao final da atividade, voltar a ele.
O efeito tetris atenta contra esta indivisibilidade, pois o indivíduo vai à borda e não consegue voltar ao centro, acaba por se identificar com a borda. E, ao ficar na borda, perde a sua unidade. Veja o caso do Michael Jordan.
Ele saiu do centro, rumo à área trabalho (no caso, o basquete), mas não conseguiu voltar para o centro. Identificou-se a tal ponto com a carreira esportiva, que a competitividade típica desta área espalhou-se para os demais setores da vida. Ocorreu então uma fragmentação.
Não se identifique com alguma área da vida
Desta forma, a perda da indivisibilidade ocorre com a identificação em demasia com algum aspecto de sua vida. A pessoa deixa de ser o que é, e passa a ser seu trabalho, sua família, seu lazer, seu estudo.
É a mesma situação do concurseiro que se isola de todas as outras áreas da vida em prol dos estudos. Trata-se de uma identificação, em excesso, com os estudos.
Note que não há nada de errado em priorizar os estudos, o problema surge quando se identifica a ponto de deteriorar outras áreas da vida. Seria o caso daquele que perde contato com a família, que não se dedica ao trabalho para poder estudar mais ou se afasta de todos os amigos; para poder estudar mais. Nestas circunstância, a aprovação não passa de uma vitória de pirro. Pois foi às custas da perda da indivisibilidade.
Então, como fazer para se tornar indivisível?
Como ser indivisível?
Sim, é possível ser indivisível e, para isso, você não deve evitar ir às bordas referentes às áreas da vida, afinal, isso é necessário. Para ser indivisível, você deve ir às áreas da vida e saber voltar com o que há de bom, de forma a desenvolver o indivíduo, e não fazê-lo sofrer. Exemplos ajudam a explicar.
Aquela situação do trabalhador que procura erros, não precisa levar o crítico para toda a sua vida. Ele pode optar por levar a organização e disciplina utilizados no trabalho para a vida, o que trará ótimos frutos nos outros aspectos da vida.
No caso do esportista, não é com a utilização da competitividade em toda sua vida que melhorará como pessoa, mas sim com uso da determinação, garra e perseverança.
Como se percebe, o indivíduo que é indivisível coleta tudo que há de bom de cada área da vida para se tornar uma pessoa ainda melhor. O próprio Michael Jordan fez algo parecido, utilizou a garra e determinação que aprendeu com o esporte e as utilizou na carreira de empresário, como proprietário do time Charlotte Hornets. Como se sabe, empreender é uma das atividades em que a determinação mais fazem a diferença, pois os desafios são diários.
Ocorre que, nesta jornada de superação de padrões que nos limitam, nosso inconsciente exerce forte força contrária a mudança, pois é algo que ele acredita e sempre há resistência ao novo. Assim chegamos à compulsão repetitiva, Freud explica.
A compulsão repetitiva de Freud
A compulsão repetitiva é uma manifestação de nosso inconsciente em prol de uma superação em um aspecto da vida que somos vulneráveis. Explico melhor.
Em nossa vida, estamos constantemente em busca de melhora, seja de um trauma do passado ou de uma crise presente. E o nosso inconsciente percebe isso, o problema é que acha que a melhor forma de lidar com ele é enfrentando, custe o que custar.
É normal conhecermos uma pessoa que, de forma sucessiva, relaciona-se com pessoas que lhe fazem mal. Às vezes temos até conhecimento do trauma que a levou a isso, um pai ausente ou abusivo, uma mãe problemática, etc. E o inconsciente, como forma de tentar superar esse problema, a submente a situações parecidas, para ela se por à prova e poder se superar.
Como bem sabemos, nem toda batalha vale a pena ser travada, seja pelo baixo custo benefício, seja por não haver cenário de vitória (discussões sobre política, futebol, religião, etc).
Como fugir de padrões tóxicos de comportamento (efeito tetris negativo)?
Repetição de padrões tóxicos de comportamento são mais comuns do que se imagina e, para fugir deles, há algumas maneiras. Duas importantes são:
- o caminho do autoconhecimento: uma jornada longa e paulatina, que tem a filosofia como uma de suas ótimas ferramentas.
- terapia: que nada mais é do que contar com um profissional no seu caminho de autoconhecimento. Segundo Irvin Yalom, a terapia é uma experiência existencial de autoentendimento.
Não ache que uma é mais fácil do que o outra, as duas ferramentas geram incômodo, pois implicam abdicar de comportamentos e pensamentos estabelecidos em prol de uma vida mais saudável. A diferença entre as duas é a existência de um acompanhamento personalizado para seu problema.
Sobre o assunto, a leitura super recomendada é do livro Talvez você deva conversar com alguém, em que a terapeuta Lori Gottlieb, fala de como o autoconhecimento é algo desafiante até para os próprios psicólogos e, como eles, para resolverem suas crises, precisam recorrer a ajuda especializada de outro terapeuta para superar certas crises.
Em suma, a leitura deste livro derruba por terra aquela falsa ideia de que psicólogos são pessoas imunes a problemas da vida por terem o conhecimento para tratar deles.
Hora da ação
O caminho da prática envolve dois passos, que te deixarão mais próximo do indivíduo como pregado por Platão.
Identificação
Primeiramente identifique comportamentos que você trouxe de uma área da vida que, ao invés de te desenvolverem, te fazem mal. Deixa eu citar alguns comuns:
Trazer o jeito agradador que tens na área relacionamento para a área trabalho, ou o contrário.
Trazer a ansiedade com cumprimento dos prazos da área trabalho para a área familiar, e cobrar isso de forma exagerada da família.
Levar o crítico do trabalho para a mesa da família, de forma que se torna incapaz de elogiar membros de sua família.
Levar a fofoca da área familiar para o trabalho, ou o contrário.
Trazer a competividade dos esportes para o trabalho, e assim, criar um ambiente tóxico de competitividade.
Identificados esses problemas, utilize essa consciência para evitar tais comportamentos e, aliado a essa prática, adote o segundo passo.
Pegue o que há de melhor
Analise o que de melhor você pode trazer de cada área para se desenvolver como pessoa. Alguns exemplos:
Levar a gentileza do núcleo familiar para o ambiente de trabalho, de forma a criar um ambiente de urbanidade.
Trazer a determinação e empenho dos esportes para o trabalho, de forma ser mais produtividade.
Levar o profissionalismo com que trabalhas para o esporte, e assim, ter mais regularidade na prática do esporte.
Levar a espiritualidade da religião para o seu trabalho, de forma a alcançar seu propósito.
Levar o companheirismo dos esportes para a família, de forma a fortalecer sua fortaleza maior.
Bibliografia
Este artigo, contem conhecimento condensado de três fontes principais: